Ursula Rösele
Desfile Divercidade - texto
O texto abaixo foi escrito por encomenda para ser lido durante o Desfile Divercidade, na noite da Virada Cultural em Belo Horizonte. O desfile contemplou pessoas diversas, na Praça Sete, lugar ocupado por pessoas igualmente diversas. Quem leu este texto foi Laura Martins (@cadeiravoadora), mulher, cadeirante, com um trabalho super legal com dicas sobre turismo e acessibilidade.
Segue o texto:
Sentada, daqui, eu olho para vocês. E penso na dimensão do meu olhar e nas distâncias todas. Do chão vocês me parecem altos, nosso caminhar se difere pelo que pode ser um detalhe; mas, sabemos, não se trata de proporções e linha do olhar.
O que acontece quando eu olho no espelho? Quando você olha?
Sua pele, que cor tem?
Seu corpo, que dimensões possui?
Sua voz, seus contornos, sua conta bancária.
A gente nasce nu. A gente chora igual, saímos dos mesmos buracos.
E as diferenças se instalam, instauram, separam, agridem.
Matam.
Diversidade. Ser diverso, diversa, diferente, igual. Quem disse que o igual é igual? A que e a quem?
Voltemos aos meus olhos. Eu vejo, mas poderia apenas ouvir. Eu falo, mas poderia apenas escutar.
E os sentidos, expandidos ou não, sempre vão dizer de um eu único.
Ser única, diversa, gente. A gente é e não há ser apolítico que fira esta verdade.
Porque eu não entendo uma política que segrega. Um presidente que legisla o cu alheio.
Em que medida meu corpo interrompe o seu?
Porque me parece se tratar de uma ilusão de ruptura, amigues.
Se meu corpo, minha cor, minha voz, o batom que você julga não pertencer aos meus lábios te ofende... precisamos falar sobre isso.
Atravessamentos.
O que é um corpo na cidade?
Eu caminho, estou, pertenço. Independentemente de sua visão sobre mim.
Mas a visão mata. Marielle, Anderson, Luiz, Dandara, Vladimir.
Que olhos são esses que correm e fazem nosso sangue escorrer?
Hoje desfilamos a diversidade. Na Diver-cidade. Do inglês, “dive”, mergulhar.
Mergulhamos nossos corpos na cidade. Virada, ativa, inclusiva, atuante.
Mas isso é hoje, dia e noite de festa, onde as bolhas se encontram e celebramos estarmos vivos – por enquanto.
Isso é hoje, que gritamos “Ninguém solta a mão de ninguém” e por algumas horas tentamos nos apoiar na esperança que nos une.
Mas é de luta, de livros, de amor, de versos, de falas, de protestos, passeatas, greves, espaços, escuta, liberdade, que precisamos.
Hoje a gente caminha a diversidade.
Enquanto eu olho para vocês e acredito que o meu olhar e o seus, atravessados, firmes, inteiros, resistem.
Sigamos, caminhando, juntes.