Ursula Rösele
Extemporânea
O tempo do não-texto, célere, dinâmico, cool, hipster
O ponto do corte, o pouco da fala, rápida, imagem e pouco dizer
O tempo do hoje, ´stórias´ em 24 horas
Corre lá
Stories
Estória, história, definitivamente não
Vá lá, ao vivo, antes que termine
Tenho de caber no fragmento, servir no instante, falar sem dizer
Shhh...
Onomatopeia, gif
Um post
Sem selo, sem endereço
Perdido na nuvem, desvio no espaço
E eu aqui, falando num tempo morto, dizendo em versos grandes, ´prolixando´ - verbo que nem sequer existe
A grama, o pouco peso do instante
Não o impacto do efêmero
O peso pluma do não-viver
Selfie
Ex-eu
No quadro
No evento
Estive lá e não lembrei de você
E eu aqui a escrever-me, vociferar-me, expondo uma fala em um corpo marcado por um mundo sem tempo algum
Fico pensando no meu senso de timming
Timming: o verbo do tempo no idioma dos termos que encurtam tudo
Palavras simples pra dar tempo de bem suceder na dinâmica do capital
Pulo do site pro insta, pros stories e aqui pedindo um tempo do olhar que não cabe em hoje algum
Mas insisto, resisto, porque a palavra de ordem do único pertencer que cabe aos de bom senso é resistência
Ninguém solta a mão de ninguém
E caminha
Já me disse inadequada, nesse corpo de mulher parida, nas estrias, na celulite que demarca o efeito-sanfona, na volúpia de mulher que não pertence em lugar algum
A melancolia demodê
O que digo nas redes?
Venham ler esse poema num tempo sem poesia, da pós-graduada na balbúrdia
A fala sem lugar, o desvio das normas, fugir do tempo que não enclausura
Mas se esvai
Um parágrafo comprido, outro curto
Gozo breve
Tweet
É tão sem noção que usa itálico
Extemporânea
Ex-tempo
Sem-temporânea
Pieguice marcada nas têmporas
Ponho um emoji, penso um meme
Desfilo na sua timeline
Sem linha do tempo
Sem marca no espaço
Nada perene
Zero pernóstica
Pós-moderna de butiquim
Dou aquela checada geral, olho em volta
Aqui a sonhar com livros e filmes, nos delírios de uma eu-artista
Em tempos de não tomar partido
Eu com partido
Ei, Bolsonaro, vai tomar no cu
Experimente ver com o olho do cu, meu caro
Golden shower na veia
Comecei a escrever em um outro tempo
Fragmentos, experiências, recortes meio sem sentido
E parei, desviei, aprimorei um texto mais adequado
Caber no quadro
Enquadrar
Eu-quadrar
Fora de meu tempo
Ex
Quero o filme nas tetas esvaziadas do Estado
Escrever um livro em tempos sombrios
Ouvi, outro dia, de uma pomba-gira: você não é de ver, ouvir, você é de escrever
Escreve, menina
Delira, mulher
Senão você vai adoecer
Escrever é gestar e se isso ficar aí dentro você terá problemas em seu sistema reprodutor
Gira, goza, ex-pulsa
Retorna, recomeça, preencha o papel em branco na tela de seu computador
Ex-tória
Ex-púria
Ex-tinta
Mulher, reikiana, professora, macumbeira e feminista
Eu, sim
Close no olhar, fecha o plano, quebra a quarta parede
Corta