Ursula Rösele
Quarentena em devaneio - dezessete deles
#17
Pensando na espessura estreita do tempo
Falsete insensato
No resvalar das horas em que nos acostumamos a caber em pequenos espaços
Sem coro
Sem sarau
Sem cerimônia
De tão habituada às saudades
Esqueceu-se de rezar
Apagou as velas
Aceitou o silêncio
E veio um sopro lento, meio brisa, meio canto
Do lado de fora, na esfera proibida do hoje
Respirou
Em plena ousadia pensou nos versos de outrora
Deitou a cabeça e deixou-se ir
Apagando da memória o cheiro de pretérito
Rasgando a roupa
A máscara
O zelo
O gel
Caminhou de pés descalços na relva que imaginou para si
Ali sonhou sonhos divinos
A glória das pequenezas
As reentrâncias de onde se esconde o mínimo
Deixou-se ir
Imaginou um presente sem resquícios
Reencontros com sabor de reset
Mais uma vez
Juntas, juntos, juntes
Sem busca
Sem preparo
Sem prefácio
Centelha
Fechou os olhos
Sentiu os cheiros todos
Os seus e os do mundo
Aceitou o porvir
Sentindo a imensidão do que sequer ousara aventar
Apenas foi
Desnuda
Desviante
Desejo puro
Ursula Rösele (17/10/2020)